A neve caía pesada sobre o Vale Vermelho quando Cade Mallory, pistoleiro solitário de fama incerta, conduziu o cavalo pela trilha estreita. O vento soprava como um lobo faminto, castigando-lhe o rosto queimado de sol, agora marcado pelo frio. Era véspera de Natal, não que isso fizesse grande diferença para homens como ele.
1. Luzes na Cabana do Vale Vermelho
Mas então avistou uma cabana lá em baixo, no sopé das montanhas.
E estava cheia de luz.
Luz verdadeira, quente, dourada, pulsante, como se alguém tivesse decidido enfrentar o inverno com coragem e esperança. Cade hesitou. Na sua vida, portas iluminadas raramente significavam segurança. Mas o frio mordia-lhe os ossos, e o cavalo precisava de descanso.
Aproximou-se devagar, mão perto do coldre, como todo homem prudente faria. Quando bateu à porta, ela abriu-se com o ranger de madeira antiga.
Uma mulher apareceu. Jovem, firme, com olhar atento.
— Entre — disse ela. — Só alguém desesperado estaria lá fora nesta noite.
Cade entrou. A cabana era simples, mas acolhedora. Uma fogueira crepitava, espalhando cheiro de madeira resinosa. Um pequeno pinheiro, improvisado como árvore de Natal, estava enfeitado com fitas gastas, mas arrumado com carinho.
— Chamo-me Eliza Boone — disse ela. — E você?
— Cade. Só Cade.
Ela não insistiu. Apenas colocou um prato quente diante dele.
Enquanto comia, Cade percebeu que a mulher lançava olhares à janela, inquieta.
— Está esperando alguém? — perguntou ele.
Eliza suspirou.
— Meu irmão. Saiu pela manhã para buscar suprimentos em Red Creek. Disse que voltaria antes do anoitecer… mas o vale é traiçoeiro. E ouvi tiros, há algumas horas.
Cade pousou o garfo devagar.
— Quer que eu vá procurá-lo?
Ela encarou-o com uma esperança tímida.
— Iria… mesmo sem saber quem somos?
O pistoleiro levantou-se, ajustou o casaco e colocou o chapéu.
— Senhora… — disse ele com o tom tranquilo dos homens que já viram muita coisa — ninguém merece passar o Natal esperando uma tragédia.
Foi assim que Cade Mallory voltou à noite gelada, seguindo as pegadas na neve, pronto para enfrentar bandidos, lobos, ou o que quer que o destino tivesse posto no caminho. Não por glória, nem por dinheiro, mas porque, naquele pedaço iluminado de mundo, alguém ainda acreditava que a bondade podia chegar à porta.
E isso, para um homem como ele, significava mais do que qualquer recompensa.
2. O Vale Onde a Noite Ouve
Cade Mallory avançou pela noite cerrada, guiando-se por pegadas que o vento já começava a apagar. O luar mal iluminava o caminho, e o silêncio da montanha era quebrado apenas pelo estalar distante de ramos gelados. A trilha do irmão de Eliza seguia pelo desfiladeiro estreito que levava ao riacho congelado.
Foi ali que ouviu um som. Baixo, rouco, quase um gemido abafado.
Cade desmontou devagar, a mão pousada no cabo do revólver. Movia-se como um homem que aprendera há muito tempo a não confiar nem no escuro nem no destino. Aproximou-se da ravina, e só então viu.
Um corpo caído.
Não morto, mas preso.
O rapaz estava preso por uma armadilha de lobos, o ferro cravado na perna como dentes frios. O cavalo dele pastava mais adiante, nervoso.
Quando o ferido ergueu o rosto, Cade congelou por um instante.
Conhecia aquele olhar.
Aquele homem.
O passado que ele tentava esquecer respirava ali, sangrando na neve.
Mas o rapaz não parecia reconhecê-lo no escuro. Estava pálido, grogue, com dor a mais para ver inimigos.
— Ajuda… — murmurou ele.
Cade agachou-se sem dizer palavra. Com força controlada, abriu o ferro da armadilha, libertando a perna do rapaz. Os dentes metálicos rangiram ao se separar. Quando acabou, rasgou um pedaço da própria camisa para estancar o sangue.
— Consegue ficar de pé? — perguntou.
— Acho… acho que sim…
Mas não conseguia. Cade ergueu-o como se fosse peso leve, colocou-o sobre o próprio cavalo e tomou as rédeas.
O jovem, meio consciente, murmurou:
— Obrigado… estranho… não sei o que seria de mim…
Cade permaneceu calado. Não era noite para acertos antigos. Era véspera de Natal, afinal e certos fantasmas mereciam, ao menos por algumas horas, um descanso.
Quando chegaram à cabana iluminada, Eliza correu para fora, o vestido esvoaçando na neve.
— Caleb! — gritou — Pensei que… pensei que o tivesse perdido!
O rapaz sorriu fraco.
Eliza ergueu os olhos para Cade, com gratidão sincera e nenhuma pergunta.
Cade apenas tocou o chapéu, como faz um homem que prefere deixar o passado onde ele está enterrado. A luz da cabana iluminou seu rosto cansado, e por um breve instante, ele sentiu algo que há muito não sentia:
Paz.
Ainda que pequena. Ainda que fugaz.
— Ele vai ficar bem — disse Cade. — Só precisa descansar.
E enquanto Eliza ajudava o irmão para dentro, Cade se virou para o escuro da noite. Sabia que não ficaria muito tempo ali. Homens como ele nunca ficam.
Mas, por algum motivo que não sabia nomear, deu um último olhar para a porta cheia de luz, como se guardasse ali um pedaço de mundo ao qual talvez, um dia, pudesse voltar.
Então montou e desapareceu pela trilha branca, enquanto atrás dele ecoava, pela primeira vez em muitos anos, algo parecido com um lar.

Sem comentários:
Enviar um comentário