O vento soprava desde o nascer do sol, arrastando consigo um frio que parecia vir de um mundo onde o fogo nunca existira. As nuvens, pesadas e baixas, ameaçavam a pradaria como um exército silencioso e a criança avançava por entre elas, uma pequena figura num território que só respeitava os fortes.
Chamava-se Elias, mas ninguém naquelas terras o tratava pelo nome. A maioria dizia apenas “o miúdo do Carter”. Em sítios como aquele, a idade não dava garantias; só coragem mantinha alguém de pé.
Elias tinha ido longe demais para cortar lenha antes que a tempestade caísse. A neve começou a cair fina, quase tímida, e ele sentiu de imediato o erro. A serra inteira ganhava outra cara quando o branco chegava — e não era uma cara amigável.
Ainda assim, continuou.
Um Carter nunca recuava. Era o que o pai dizia, com a convicção dura de quem sobrevivera a guerras, pistoleiros e invernos quase tão maus como aquele.
Foi quando o vento mudou que Elias ouviu o som.
Um farfalhar. Baixo, mas insistente.
Levou a mão ao pequeno revólver descarregado — herança do tio, um homem que morrera cedo demais para ensinar quando apertar o gatilho.
Elias sabia que a arma não valia nada sem balas, mas ali, no meio da pradaria, qualquer cabo de madeira dava confiança.
Dos arbustos surgiu uma forma ágil e laranja.
Uma raposa.
Magra, mas orgulhosa.
Com olhos de quem já vira mais invernos do que devia.
O animal parou a poucos passos.
Não rosnou.
Não fugiu.
Elias também não.
O vento uivou entre os dois, como se testasse qual deles quebraria primeiro.
— Se estás aqui pela lenha, sinto dizer que cheguei primeiro — murmurou Elias, apesar de saber a tolice das palavras.
A raposa inclinou a cabeça, avaliando-o. E de repente, como se decidisse o destino por conta própria, aproximou-se e encostou o corpo quente às pernas do rapaz.
Elias ficou imóvel.
O calor era real.
A confiança, inesperada.
A tempestade apertou.
E os dois, cada qual com a teimosia típica dos que aprendem cedo a sobreviver, seguiram juntos pela trilha de regresso.
A neve engrossava.
A visibilidade encolhia.
Elias sentiu medo, mas medo não era motivo para parar. Era, como dizia o pai, apenas um lembrete de que se estava vivo.
A raposa caminhava ao seu lado como uma sombra laranja, guiada por instintos tão antigos quanto as montanhas ao longe. Quando o rapaz escorregou numa rocha gelada, foi o animal que voltou atrás e lhe roçou o ombro, firme, como um toque de incentivo.
— Não vou cair — disse ele, mais para si do que para a companheira inesperada.
Quando finalmente avistou a luz do rancho, Elias parou.
A raposa também.
Nenhum dos dois precisava dizer nada.
Havia naquela noite uma espécie de pacto, não de amizade, mas de respeito. E no Oeste, respeito valia mais do que palavras.
— Podes ir — disse Elias, num tom sério que ainda não combinava com a sua idade. — O mundo lá fora é teu.
A raposa piscou os olhos, ligeiramente, antes de se voltar para a tempestade.
Foi-se, silenciosa, como só os bravos sabem ir.
Elias entrou em casa, sacudindo a neve do chapéu.
O pai perguntou-lhe se tudo correra bem.
— Sim — respondeu o rapaz. — Apenas uma caminhada difícil.
Mas naquela noite, enquanto a lenha queimava no fogão e o vento rugia lá fora, Elias sabia que carregava agora algo novo dentro de si.
Algo que só se aprende quando se enfrenta o inverno com o coração firme e um aliado improvável ao lado.

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