Publicamos mais um conto de Edgar Caygill, conto que fez parte da série de ouro do Jornal do Cuto. As ilustrações são de José Baptista (Jobat).
Os três rapazes levantaram-se de um golpe logo que viram entrar no quarto o vê-lho Amber Cox. Estranharam, de relance, os lábios contraídos e a expressão dura do seu olhar. Mas nada lhes dizia que passados dez anos de permanência no Oeste, em labuta constante pelas minas e pela defesa da vida contra os muitos foragidos da lei, conservasse no rosto o tique de otimismo que lhe' diziam ser característico.
No entanto, esta impressão foi passageira. Os três pares de olhos cravaram-se famintos numa caixa que o velho trazia debaixo do braço direito e seguiram-no até que foi colocada sobre a mesa arrumada no centro do quarto.
— Admirados de me verem, hem? — murmurou o velho em voz baixa, como se não compreendesse a razão daqueles olhares. — Receberam os meus telegramas?
— Sim, recebemos — murmurou Davigton, o mais alto, senhor de ombros largos e grande peito. — E admirou-nos bastante o seu conteúdo...
— Pois é, mas...
— O tio sabe que nunca vimos com bons olhos a sua partida para o Oeste em busca de uma fortuna que, a contrariar tudo o que se diz por aqui em Nova Iorque, conseguiu realizar. Os perigos que correu foram, com certeza, muitos, e podia não ter conseguido nada. Mas, enfim, resolveu-se tudo pelo melhor e alegra-nos a sua chegadal...
— Obrigado, rapazes I Mas...
— Falamos com sinceridade —atalhou Rex, o do meio, dotado de grandes músculos. — E não pense que é só pelo facto de ter prometido uma barra de oiro a cada um de nós! Não! É, sobretudo, porque já sentíamos saudades suas, saudades de uma ausência tão prolongada!
O termo "saudade" obrigou o velho a abrir os olhos desmesuradamente, pois sabia que os sobrinhos nunca o tinham visto e só acidentalmente sabiam da sua existência. Meio confuso, portanto, articulou:
— Mas...
Nesse momento, o terceiro dos rapazes resolveu justificar a sua presença.
— Ainda bem que veio, tio! Aproveito para convidá-lo para o meu casamento. Sabe? Sou noivo de uma gentil rapariga que trabalha numa grande sala de costura. Com a barra de ouro que nos prometeu, vou constituir lar e começar a trabalhar a sério...
— Mas... Davigton adiantou-se.
— Um momento, tio. Antes de falar, oiça o que lhe vou dizer. Nem Rex nem Tom são dignos da sua oferta. Ambos são jogadores e beberrões. Por isso, queria propor-lhe o seguinte: o tio entrega-me, a mim, as três barras de ouro que quer distribuir por nós, e eu, por minha vez, vou trocá-las por dinheiro e montar um negócio de diligências. Faremos sociedade e...
— Mas... — começou, novamente, o velho Cox, logo interrompido pela voz irritada de Rex, que se levantara de um salto. — Não penses que somos tolos, Davigton — explicou ele. — Já conheço o género habitual das tuas negociatas: apostas nas corridas de cavalos!
Não 1 O tio entrega-nos, de sua vontade, uma barra de ouro e cada um de nós faz-lhe o que melhor entender.
— Cala-te, mentiroso! — gritou o interpelado.— Alguma vez me viste apostar? Se não estivesse aqui o tio...
— Oiçam, rapazes, mas... — gritou o velho, sempre interrompido.
— Mentiroso, eu?! Repete lá a palavra?
— Mentiroso I
Mas... — tentou Cox.
E antes que Amber Cox pudesse empregar outra palavra além daquele monossílabo, Rex lançou-se sobre o irmão e agarrou-o com força. Davigton procurou fugir ao amplexo e ambos se estatelaram no solo. Engalfinharam-se então, numa verdadeira luta corpo-a-corpo, sem que Tom ou o velho pudessem intervir. Os socos soavam como marteladas secas e as respirações ofegantes dos contendores enchiam o acanhado ambiente do quarto.
Em certa altura, Rex, com um safanão, empurrou Davigton para um canto e levantando uma cadeira, projetou-a com violência sobre o irmão. O velho procurou evitar o gesto, Davigton tentou esquivar-se, mas nem um nem outro tiveram sorte! O velho caiu no solo com um pontapé, e a cadeira bateu em cheio no corpo de Davigton, que escorregou, para o sobrado, meio inconsciente.
Tom ao ver a brutalidade do irmão, perdeu o controlo dos nervos e gritou-lhe:
— Miserável! Isto não se faz!
Ao ouvir estas palavras, o pobre Cox, procurou levantar-se e intervir. Ainda chegou a dizer:
— Eh, amigos! Mas...
Era tarde, Rex não se conteve com o insulto e desferiu um potente soco nos maxilares de Tom. Este teve um estremecimento, ficou entontecido, e acabou por reagir. Dês-ta reação resultou uma cena que serviu para espatifar todos os móveis e utensílios do quarto. Começou pela mesa, passou pelas cadeiras, candeeiros, cómodas e acabou na cama. A célebre caixa do velho foi parar à entrada da porta.
Entretanto, Cox, apavorado e surpreendido com a "bonita" receção que lhe fora reservada, procurara diversas vezes acalmar os dois irmãos, mas sempre fora repelido, e até, algumas vezes, de forma tal, que lhe ficaram gravadas as marcas no rosto.
Acabou, claro, por se encolher a um canto e sempre que podia gritava:
— Parem com isso! Mas...
Logo o interrompia um soco, uma queda, um pontapé. Passado esse instante de confusão, voltava:
— Então?1 Haja juízo I Mas...
Seguiram-se novas cenas, e o pobre velho nada conseguia. Estava exausto. Olhou em redor e ao ver os restos dum banco, foi sentar-se. Sacudiu o fato e olhou para os três irmãos.
Nesse momento, Rex e Tom, sem haver vencedor, caíam cada um para seu lado, extenuados e bastante feridos. Davigton abria os olhos a custo e fitava admirado o estado em que estava o quarto. E o silêncio, desta vez, instalou-se no ambiente.
* * *
O velho Amber Cox abanou a cabeça com tristeza e desespero. Levantou-se com esforço para ir buscar a caixa que trouxera e que tinha caído. Sempre perseguido pelos olhares ambiciosos dos sobrinhos, que estavam cada um derrubado para seu lado, voltou a sentar--se, e com voz lenta e pastosa, conseguiu finalmente falar:
— Porque são teimosos, rapazes] Não me deixaram proferir uma única palavra! Só mas, mas, mas... Quero-vos dizer que trazia as barras de ouro, mas que as roubaram no comboio!
E mostrou a caixa vazia.
FIM
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