sexta-feira, 27 de maio de 2016

CNT003. O espectro da planície


Apresentamos hoje mais um conto de Orlando Marques que teve publicação no Mundo de Aventuras, fascículo 392. A ilustração não está assinada.



COM a chegada dum poderoso destacamento da Polícia-Montada, cujas instalações tinham sido fixadas nas paragens do Grande Lago, o reduzido número de habitantes locais, na generalidade gente que se dedicava à caça nas florestas e ao lucrativo negócio de peles, viu decrescer a ameaça que representava a existência duma tribo sanguinária de peles-vermelhas, cujo ódio pelos brancos os arrastava às piores barbaridades, dizimando vidas e aniquilando os empreendimentos de cada um.
O alarme foi dado a tempo e os homens da Polícia Montada intervieram prontamente em benefício da região, dando uma severa batida aos Cheyennes.
A luta, penosa e árdua, arrastou-se durante semanas, até que os índios, deixando atrás de si muitos companheiros mortos, abandonaram, em fuga, os seus territórios de caça e de massacre, instalando-se longe, do outro lado do Grande Lago, nas montanhas nevadas.
Os brancos abençoaram, entusiasmados, a hora em que a Polícia-Montada deliberara proteger as suas suas vidas e bens, mas estava escrito que a hora de paz ainda não soara completamente...
O facto é que, perante a surpresa de todos, depressa veio a saber-se que alguns caçadores e negociantes de peles que viviam isolados nas suas barracas da planície, tinham sucumbido misteriosamente. A princípio supôs-se que se trataria dum caso ou outro de suicídio, mas a verdade é que a vida das vítimas não era de molde a justificar, ao de leve que fosse, tal ato de desespero. Para mais era raro o dia em que não havia mais uma vítima a enfileirar na trágica lista.
O alarme tomou proporções assustadoras e inquietantes!
Que se passaria?
Foi então que o sargento Wayne, da Polícia Montada, se viu encarregado pelo comando do Destacamento para averiguar concretamente o que se passava, pondo termo a tão indesejável situação.
No Destacamento do Grande Lago a opinião predominante era de que um só homem teria as mais fortes possibilidades de surpreender o «espectro» maligno da planície, do que se a ação fosse empreendida por um numeroso grupo.
Wayne, pelas suas argutas qualidades, e ainda porque era dono de Bud, o cão «mascotte» do Destacamento pelos relevantes serviços até então prestados, fora o homem designado para se pôr em campo.
E partiu, numa radiosa manhã de sol, despreocupado e confiante no êxito da sua missão, acompanhado pelo cão, que saltava alegremente ao lado do cavalo.
Na sua caminhada não havia necessariamente um destino fixo, que não fosse vaguear pela planície em busca duma oportunidade flagrante que lhe permitisse desvendar o enigma do «espectro» que pairava nas redondezas como uma ameaça de morte e inquietação.
Os dois primeiros dias e correspondentes noites passados ao ar livre sob uma temperatura amena, não lhe trouxeram qualquer indicação.
O sossego da planície era absoluto. Dir-se-ia, porém, que algo de anormal pairava no ar que se respirava e no silêncio que abraçava a grande floresta.
Um ruído provocado pela brisa ligeira que sacudia a folhagem, quase se interpretava como sendo a presença de alguém entre o arvoredo. O uivar dos lobos e o grito dos chacais, antes de reconhecidos, lembravam aflitivos sons de gargantas humanas...
Quando desceu a terceira noite, em pleno coração da planície, Wayne saboreou uma pequena refeição na companhia de Bud, e enrolou-se numa manta, preparando-se para dormir, enquanto a pouca distância o cavalo roía vagarosamente a erva fresca e tenra.
Passou-se uma hora.
O Polícia dormia profundamente, com uma das mãos apoiadas na coronha do revólver. Próximo da fogueira, prestes a extinguir-se, o cão dormitava também, com o focinho apoiado entre as patas.
De súbito, a uns metros de distância, entre a folhagem, um par de olhos, fulgurantes como faíscas, espreitou o grupo adormecido.
Seria homem ou animal?
Passaram-se alguns segundos. Os olhos continuaram a espreitar. Dir-se-ia que a cada fração de segundo decorrida se inundavam cada vez mais de ódio e ferocidade...
De súbito, sem que fizesse um só movimento com a cabeça, Bud, o cão, abriu os olhos e fixou um ponto entre a folhagem. Ergueu-se, dum salto, e correu em frente na mesma direção onde alguém espreitava.
Os olhos tinham desaparecido entre a ramaria e ouviam-se agora passos precipitados, fugindo à aproximação do cão.
Pouco depois soou um grito terrível, um grito humano, e «Bud» começou a ladrar e a rosnar furiosamente.
O Polícia-Montada acordou e partiu como uma flecha para o local, seguido de perto pelo cavalo.
Ao lado do cão, estendido no solo, com a cabeça apoiada numa rocha, estava um índio — um Cheyenne!
O pele-vermelha gemia e contorcia o rosto em esgares de sofrimento.
Wayne ajoelhou junto dele e ajudou-o a sentar-se, mas o gigantesco pele-vermelha não podia resistir por muito tempo às violentas mordeduras que o cão lhe provocara.
— Que faz o guerreiro Cheyenne em território proibido pelos rosto-pálidos? — perguntou-lhe o Polícia.
O índio lançou-lhe um olhar feroz. Depois, ofegante, falou com visível dificuldade:
— O cão maldito destruiu a vingança do guerreiro Cheyenne sobre os brancos que expulsaram os seus irmãos dos velhos territórios de caça. O Grande Espírito ordenou que «Búfalo Selvagem» levasse a ruína e a morte a todos os brancos, até os Cheyennes poderem regressar às suas terras antes de passar as grandes águas do lago. O cão... o cão de dentes agudos como o lobo... abateu o grande guerreiro...
O pele-vermelha imobilizou-se para sempre.
Uma ruga profunda cavara-se entre as sobrancelhas de Wayne. Aquele era, então, o homem que levara o desespero e a morte aos habitantes da região... o assassino impiedoso e sanguinário... o Espectro da Planície que inspirara tanto temor...
Na realidade, só um ser inconsciente e selvagem, movido por um abominável propósito de vingança, seria capaz de tamanhas crueldades!...
Graças ao seu fiel. Bud terminava ali a sua missão, e a partir daquele momento os habitantes do Grande Lago só em pesadelo teriam que recear as proezas do Espectro da Planície...
FIM

Sem comentários:

Enviar um comentário

Mais livros

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...