Apresentamos hoje mais um conto de Orlando Marques que teve publicação no Mundo de Aventuras, fascículo 392. A ilustração não está assinada.
COM a chegada dum poderoso destacamento da Polícia-Montada,
cujas instalações tinham sido fixadas nas paragens do Grande Lago, o reduzido número
de habitantes locais, na generalidade gente que se dedicava à caça nas
florestas e ao lucrativo negócio de peles, viu decrescer a ameaça que
representava a existência duma tribo sanguinária de peles-vermelhas, cujo ódio
pelos brancos os arrastava às piores barbaridades, dizimando vidas e
aniquilando os empreendimentos de cada um.
O alarme foi dado a tempo e os homens da Polícia Montada
intervieram prontamente em benefício da região, dando uma severa batida aos
Cheyennes.
A luta, penosa e árdua, arrastou-se durante semanas, até que
os índios, deixando atrás de si muitos companheiros mortos, abandonaram, em
fuga, os seus territórios de caça e de massacre, instalando-se longe, do outro
lado do Grande Lago, nas montanhas nevadas.
Os brancos abençoaram, entusiasmados, a hora em que a
Polícia-Montada deliberara proteger as suas suas vidas e bens, mas estava
escrito que a hora de paz ainda não soara completamente...
O facto é que, perante a surpresa de todos, depressa veio a
saber-se que alguns caçadores e negociantes de peles que viviam isolados nas
suas barracas da planície, tinham sucumbido misteriosamente. A princípio
supôs-se que se trataria dum caso ou outro de suicídio, mas a verdade é que a
vida das vítimas não era de molde a justificar, ao de leve que fosse, tal ato
de desespero. Para mais era raro o dia em que não havia mais uma vítima a enfileirar
na trágica lista.
O alarme tomou proporções assustadoras e inquietantes!
Que se passaria?
Foi então que o sargento Wayne, da Polícia Montada, se viu
encarregado pelo comando do Destacamento para averiguar concretamente o que se
passava, pondo termo a tão indesejável situação.
No Destacamento do Grande Lago a opinião predominante era de
que um só homem teria as mais fortes possibilidades de surpreender o «espectro»
maligno da planície, do que se a ação fosse empreendida por um numeroso grupo.
Wayne, pelas suas argutas qualidades, e ainda porque era
dono de Bud, o cão «mascotte» do Destacamento pelos relevantes serviços até
então prestados, fora o homem designado para se pôr em campo.
E partiu, numa radiosa manhã de sol, despreocupado e
confiante no êxito da sua missão, acompanhado pelo cão, que saltava alegremente
ao lado do cavalo.
Na sua caminhada não havia necessariamente um destino fixo,
que não fosse vaguear pela planície em busca duma oportunidade flagrante que
lhe permitisse desvendar o enigma do «espectro» que pairava nas redondezas como
uma ameaça de morte e inquietação.
Os dois primeiros dias e correspondentes noites passados ao
ar livre sob uma temperatura amena, não lhe trouxeram qualquer indicação.
O sossego da planície era absoluto. Dir-se-ia, porém, que
algo de anormal pairava no ar que se respirava e no silêncio que abraçava a
grande floresta.
Um ruído provocado pela brisa ligeira que sacudia a
folhagem, quase se interpretava como sendo a presença de alguém entre o arvoredo.
O uivar dos lobos e o grito dos chacais, antes de reconhecidos, lembravam
aflitivos sons de gargantas humanas...
Quando desceu a terceira noite, em pleno coração da
planície, Wayne saboreou uma pequena refeição na companhia de Bud, e enrolou-se
numa manta, preparando-se para dormir, enquanto a pouca distância o cavalo roía
vagarosamente a erva fresca e tenra.
Passou-se uma hora.
O Polícia dormia profundamente, com uma das mãos apoiadas na
coronha do revólver. Próximo da fogueira, prestes a extinguir-se, o cão
dormitava também, com o focinho apoiado entre as patas.
De súbito, a uns metros de distância, entre a folhagem, um
par de olhos, fulgurantes como faíscas, espreitou o grupo adormecido.
Seria homem ou animal?
Passaram-se alguns segundos. Os olhos continuaram a
espreitar. Dir-se-ia que a cada fração de segundo decorrida se inundavam cada
vez mais de ódio e ferocidade...
De súbito, sem que fizesse um só movimento com a cabeça, Bud,
o cão, abriu os olhos e fixou um ponto entre a folhagem. Ergueu-se, dum salto,
e correu em frente na mesma direção onde alguém espreitava.
Os olhos tinham desaparecido entre a ramaria e ouviam-se
agora passos precipitados, fugindo à aproximação do cão.
Pouco depois soou um grito terrível, um grito humano, e «Bud»
começou a ladrar e a rosnar furiosamente.
O Polícia-Montada acordou e partiu como uma flecha para o
local, seguido de perto pelo cavalo.
Ao lado do cão, estendido no solo, com a cabeça apoiada numa
rocha, estava um índio — um Cheyenne!
O pele-vermelha gemia e contorcia o rosto em esgares de
sofrimento.
Wayne ajoelhou junto dele e ajudou-o a sentar-se, mas o
gigantesco pele-vermelha não podia resistir por muito tempo às violentas
mordeduras que o cão lhe provocara.
— Que faz o guerreiro Cheyenne em território proibido pelos
rosto-pálidos? — perguntou-lhe o Polícia.
O índio lançou-lhe um olhar feroz. Depois, ofegante, falou
com visível dificuldade:
— O cão maldito destruiu a vingança do guerreiro Cheyenne
sobre os brancos que expulsaram os seus irmãos dos velhos territórios de caça.
O Grande Espírito ordenou que «Búfalo Selvagem» levasse a ruína e a morte a todos
os brancos, até os Cheyennes poderem regressar às suas terras antes de passar
as grandes águas do lago. O cão... o cão de dentes agudos como o lobo... abateu
o grande guerreiro...
O pele-vermelha imobilizou-se para sempre.
Uma ruga profunda cavara-se entre as sobrancelhas de Wayne.
Aquele era, então, o homem que levara o desespero e a morte aos habitantes da
região... o assassino impiedoso e sanguinário... o Espectro da Planície que
inspirara tanto temor...
Na realidade, só um ser inconsciente e selvagem, movido por
um abominável propósito de vingança, seria capaz de tamanhas crueldades!...
Graças ao seu fiel. Bud terminava ali a sua missão, e a
partir daquele momento os habitantes do Grande Lago só em pesadelo teriam que
recear as proezas do Espectro da Planície...
FIM
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