ED MULLINS era um desses singulares homens do Oeste que, à custa de hábeis expedientes e de uma conduta moral condenável, ia conseguindo ludibriar os incautos e singrar impunemente na vida.
Percorrendo o País de lés-a-lés, desde o Arizona até ao Alasca, tinha já o seu nome torpemente ligado a negócios obscuros e até a atentados cometidos em várias localidades.
A sua captura impunha-se mas constituía um problema porque agia sempre só, longe de testemunhas e nunca tinha um paradeiro certo, mantendo por prudência o anonimato. Como medida de precaução e porque temia ser caçado pela Lei, certo dia Mullins foi refugiar-se entre os índios Cheyennes, com os quais de há muito se relacionava.
Vivendo por uns tempos oculto nas montanhas estava a coberto de qualquer imprevisto.
(Fonte: Mundo de Aventuras, 2ª série, fascículo 568)
A aldeia índia situava-se nos contrafortes das montanhas que abraçavam o tumultuoso Rio Colorado, em local solitário, sempre preferido pelos índios, e cujo acesso se fazia através de sinuosas veredas.
Sendo um velho amigo do Chefe «Alce Negro», foi por este recebido como das outras vezes em que visitara a aldeia: com uma amizade simples e franca, até porque o velho índio estava longe de conhecer a conduta de Mullins na vida.
Nesta visita, Mullins ficou a conhecer o jovem Yaka, filho de «Alce Negro», um rapaz de vinte anos, que era o enlevo do pai e de toda a tribo que o consideravam um companheiro leal e um destemido caçador.
Noutras estadas entre os Cheyennes, Mullins só vira Yaka acidentalmente, mal reparando nele. Agora o índio era um homem de compleição atlética, de rosto franco e sorridente onde brilhavam dois olhos afáveis mas sagazes, em contraste com as expressões
habitualmente fechadas d o s seus irmãos de pele vermelha.
Mas uma nuvem pairava sobre a pacífica aldeia: diziam os membros da tribo que ultimamente entre Yaka e o seu velho pai nascera grave discórdia pelo facto do jovem caçador amar uma mulher branca, com a qual fora visto por mais de uma vez a dialogar na floresta que se interpunha entre as montanhas e o Forte Rocks.
Essa mulher, igualmente jovem, era nem mais nem menos do que Daisy, a Filha do Major Weston, o Comandante do Forte!
Mullins, nas suas frequentes deambulações, estivera também no Forte e conhecia Daisy, uma rapariga encantadora, das mais formosas da região.
O velho «Alce Negro», advertido do que se passava, proibiu Yaka de sair da aldeia e pô-lo sob rigorosa vigilância. Para mais, dizia-se também que a jovem branca correspondia à paixão do guerreiro Cheyenne e isso ainda mais exacerbava o velho índio que de modo algum admitia que o seu filho pudesse unir-se a uma branca, apesar de há muito terem sido ultrapassadas as dissidências entre índios e branco s. Mas a Lei índia era clara...
Ao ter conhecimento do caso, o cérebro de Mullins congeminou um plano que, naturalmente, só a ele iria beneficiar...
E foi assim que, dois ou três dias após a sua chegada à aldeia dos Cheyennes, ele logrou iludir os propósitos do velho Chefe, dizendo-lhe que queria falar a sós com Yaka para o convencer a desistir da paixão impossível que o seu coração alimentava.
«Alce Negro» deu o seu acordo, crente de que os argumentos que o seu amigo branco apresentaria ao filho iam bastar para pôr termo ao triste caso.
Mas, ardilosamente, mal se viu diante de Yaka, no «wigwam» deste, Mullins agiu de modo bem diverso e expôs-lhe um plano aliciante, que consistia em trazer a bonita Daisy para certo local, ficando junto dele para sempre.
Como era isso possível?
Olhando em volta com olhos vis e matreiros como se receasse as próprias sombras que envolviam a tenda, Mullins falou quase ao ouvido de Yaka:
— Conheço bem o Forte e entro nele facilmente, pois em tempos fiz lá bons negócios de peles e de uísque. Falarei a sós com a mulher branca e, se ela te ama realmente, como acredito, virá comigo sem relutância...
- Isso é certo, rosto-pálido?
— Nunca duvides da minha palavra, Yaka! Basta que ponderes na amizade que há tanto me une ao teu pai...
— Amizade que agora queres trair! — replicou o guerreiro.
— Faço-o apenas por ti pela tua amada! Não traio «Alce Negro» porque ele próprio mais tarde compreenderá que eu contribuí para a felicidade de dois entes que se amam...
— Qual é o teu plano então?
Os olhos de Mullins piscaram e a sua respiração tornou-se ofegante.
—Ê preciso que saias da aldeia e que amanhã, quando o sol estiver a pino sobre as montanhas, te encontres junto dos Rochedos Negros sobranceiros ao rio. Eu irei lá ter com a rapariga que vai ser a tua «squaw». Conheces o local?
— Conheço — disse Yaka.
— Tens facilidade em sair da aldeia?
— Não é fácil, mas hei-de consegui-lo, rosto-pálido. A hora certa estarei no local... Traz a linda «squaw» e eu serei teu amigo para sempre!
Findo o diálogo, Mullins dirigiu-se à tenda grande de «Alce Negro» para lhe assegurar, perfidamente, que fora bem sucedido e que Yaka não voltaria mais a pensar na mulher branca, pelo que agora devia ser considerado um homem livre, prémio que bem merecia, pois soubera reconhecer o seu erro...
Mullins valia-se deste argumento por recear que Yaka pudesse ter dificuldades na sua fuga, quando era imperioso que ele não faltasse ao encontro marcado.
E, com o pretexto de que tinha um negócio a realizar nas próximas horas, deixou a aldeia das montanhas ao meio da tarde desse dia, galopando para o Forte Rocks.
Mullins não temia entrar no Forte porque lá só contava com amigos... a quem por acaso nunca calhara ludibriar.
O plano que urdira era ousado, aliás como ele gostava, mas agiria prudentemente, procurando ser breve e falar a sós com Daisy, certo de que ela também desejava juntar--se ao homem que amava.
Uma vez consumado o encontro, ele voltaria rapidamente ao Forte a fim de avisar o Major Weston, levando-o pessoalmente a surpreender os dois jovens em flagrante.
Antes disso dir-lhe-ia que os vira em situação comprometedora para a reputação de Daisy.
Com os quatro juntos, ele, Mullins, se encarregaria de desafiar Yaka e liquidá-lo-ia... caso não fosse o próprio Major a fazer «justiça» pelas suas próprias mãos!
A partir daí teria conquistado as boas graças e a amizade do Major, obtendo uma posição de privilégio no Forte que o ilibava, a seu ver, dum passado sujo e condenável. Seria, pois, um outro homem! Um fora da Lei que manietava a Justiça!
Nem mesmo o ódio que Daisy lhe votaria o apoquentava ou constituiria problema, pois não acreditava que uma mulher branca e formosa como a filha do Major, se prendesse por muito tempo à memória de um índio qualquer...
O tempo se encarregaria de sarar todas as feridas e de trazer o esquecimento. Era este o golpe arquitetado pelo cérebro delirante de um traidor! E tudo se veio a conjugar para que os propósitos de Mullins fossem por diante.
Quando, ao anoitecer, ele alcançou as cercanias do Forte, foi a própria Daisy a primeira pessoa que descortinou ainda nos limites da floresta. Um encontro providencial. Daisy tinha ido dar um passeio a cavalo e estava de regresso ao Forte, mas ainda longe de ser avistada pelas sentinelas.
Ao ver o cavaleiro que surgia inopinadamente, a jovem não conteve um gesto de receio, mas Mullins apressou-se a falar-lhe em Yaka e no plano que estava traçado para que ambos se avistassem no dia seguinte, junto dos Rochedos Negros.
Daisy, empolgada, deixou-se inocentemente manobrar pelas serenas palavras de Mullins e, sem refletir nas consequências que o caso lhe poderia trazer, aceitou acompanhá-lo, ficando marcado um encontro para a manhã imediata, ali na orla da floresta.
Ardilosamente, Mullins achou preferível aguardar ali até que amanhecesse para não ser visto por alguém e muito menos pelo Major Weston.
A noite pareceu-lhe interminável e a expectativa não o deixou adormecer. Mas quando o sol despontou sobre as montanhas, numa luminosa auréola de cor, a sedutora Daisy apareceu no seu cavalo e partiram sem delongas para os Rochedos Negros.
Chegados ao local onde Yaka só mais tarde deveria aparecer, Mullins acendeu uma pequena fogueira e preparou café. Daisy estendera-se serenamente sobre um pequeno lombo do terreno e aceitou a. bebida, que saboreou com prazer, sem reparar que o homem a observava insistentemente, fascinado pela figura esbelta e insinuante da rapariga.
Os olhos de Mullins pareciam faiscar.
Foi a partir daqui que a roda do destino, que sempre fora um poderoso aliado do facínora, mostrou a sua face oposta, mudando o curso dos acontecimentos. E para a reviravolta contribuía a simples presença de uma mulher diante de Mullins! Uma mulher jovem, bela e sedutora que abrasava os corações!
Olhando-a, Mullins esquecia o plano maquiavélico que congeminara e com o qual queria garantir um futuro tranquilo, sepultando o passado e fugindo às malhas da Lei.
E esse esquecimento ia ser a sua derrocada...
Era ainda cedo para que o sol estivesse a pino e, portanto, Yaka não chegaria ali tão depressa. Por isso...
Daisy estava por completo à sua mercê, com toda a sua beleza e sedução, a despertar instintos irreprimíveis.
E Mullins, descontrolado, incapaz de um raciocínio frio e prudente, avançou para ela.
— Miss Daisy! — disse com voz vacilante.
Ela soergueu-se. Viu aqueles olhos dilatados que a fitavam selvaticamente e apavorou-se.
Num relance compreendeu o que podia acontecer e quis gritar, mas Mullins saltou sobre ela, tapando-lhe a boca e beijando-a no rosto, nos olhos, no pescoço, sôfrego e brutal como um animal selvagem.
Por fim, Daisy gritou e o seu grito ecoou pelas escarpas.
Então, um vulto ágil saltou entre as rochas próximas e deteve-se uns segundos a observar os dois corpos que rolavam sobre o terreno.
Era Yaka.
Este depressa se apercebeu do que acontecia e precipitou--se sobre Mullins.
Rápido e possante, levantou-o no ar sem esforço e, com o punho que estava livre, aplicou um soco fulminante no rosto do traidor.
Mullins, sangrando do nariz, foi cair sobre as rochas e tentou equilibrar-se enquanto fitava, aterrado, o abismo que se abria aos seus pés.
Yaka adiantou-se e «ajudou-o» a despenhar-se das alturas até desaparecer lá em baixo entre as águas trovejantes do rio.
Tudo isto fora presenciado por uma testemunha que chegara ao local a tempo de avaliar a situação.
Era um homem fardado que se mantivera atrás de uns penhascos.
Tratava-se do Major Weston, o pai de Daisy!
Ao vê-lo, a jovem soltou uma exclamação e correu para os seus braços, rompendo aos soluços.
— Oh, meu querido pai!
Firme e imóvel como uma estátua, Yaka, o Cheyenne, quedou-se sobre os rochedos, olhando pai e filha abraçados.
O Major Weston, que logo pela manhã dera pelo desaparecimento de Daisy, partira do Forte sem delongas e descobrira facilmente o rasto dos cavalos da filha e de Mullins, tendo alcançado os Rochedos Negros no instante em que Yaka salvava a jovem do ataque do patife branco.
Mullins, talvez pela primeira vez na vida, não fora astuto e prudente e sofrera as consequências da sua crueldade, do seu mau carácter.
Um momento de fraqueza arrastara-o, cegamente, a uma dupla traição contra as vítimas do seu plano infernal, e isso perdera-o.
A Providência, por fim, pedira-lhe o inevitável e já tardio ajuste de contas!
Yaka, a partir daquele dia, tinha perdido o direito de regressar à companhia do seu velho pai e à aldeia solitária que o vira nascer.
Para «Alce Negro» e para todos os Cheyennes, Yaka morrera!
O Major Weston conhecia bem a inapelável lei dos índios... mas, para ele, a diferença de raças não contava.
O que contava era o amor recíproco dos dois jovens e, por isso, Yaka passaria a ter no Forte Rocks o seu novo lar e no coração de Daisy uma certeza de paz e felicidade.
F I M
Percorrendo o País de lés-a-lés, desde o Arizona até ao Alasca, tinha já o seu nome torpemente ligado a negócios obscuros e até a atentados cometidos em várias localidades.
A sua captura impunha-se mas constituía um problema porque agia sempre só, longe de testemunhas e nunca tinha um paradeiro certo, mantendo por prudência o anonimato. Como medida de precaução e porque temia ser caçado pela Lei, certo dia Mullins foi refugiar-se entre os índios Cheyennes, com os quais de há muito se relacionava.
Vivendo por uns tempos oculto nas montanhas estava a coberto de qualquer imprevisto.
(Fonte: Mundo de Aventuras, 2ª série, fascículo 568)
A aldeia índia situava-se nos contrafortes das montanhas que abraçavam o tumultuoso Rio Colorado, em local solitário, sempre preferido pelos índios, e cujo acesso se fazia através de sinuosas veredas.
Sendo um velho amigo do Chefe «Alce Negro», foi por este recebido como das outras vezes em que visitara a aldeia: com uma amizade simples e franca, até porque o velho índio estava longe de conhecer a conduta de Mullins na vida.
Nesta visita, Mullins ficou a conhecer o jovem Yaka, filho de «Alce Negro», um rapaz de vinte anos, que era o enlevo do pai e de toda a tribo que o consideravam um companheiro leal e um destemido caçador.
Noutras estadas entre os Cheyennes, Mullins só vira Yaka acidentalmente, mal reparando nele. Agora o índio era um homem de compleição atlética, de rosto franco e sorridente onde brilhavam dois olhos afáveis mas sagazes, em contraste com as expressões
habitualmente fechadas d o s seus irmãos de pele vermelha.
Mas uma nuvem pairava sobre a pacífica aldeia: diziam os membros da tribo que ultimamente entre Yaka e o seu velho pai nascera grave discórdia pelo facto do jovem caçador amar uma mulher branca, com a qual fora visto por mais de uma vez a dialogar na floresta que se interpunha entre as montanhas e o Forte Rocks.
Essa mulher, igualmente jovem, era nem mais nem menos do que Daisy, a Filha do Major Weston, o Comandante do Forte!
Mullins, nas suas frequentes deambulações, estivera também no Forte e conhecia Daisy, uma rapariga encantadora, das mais formosas da região.
O velho «Alce Negro», advertido do que se passava, proibiu Yaka de sair da aldeia e pô-lo sob rigorosa vigilância. Para mais, dizia-se também que a jovem branca correspondia à paixão do guerreiro Cheyenne e isso ainda mais exacerbava o velho índio que de modo algum admitia que o seu filho pudesse unir-se a uma branca, apesar de há muito terem sido ultrapassadas as dissidências entre índios e branco s. Mas a Lei índia era clara...
Ao ter conhecimento do caso, o cérebro de Mullins congeminou um plano que, naturalmente, só a ele iria beneficiar...
E foi assim que, dois ou três dias após a sua chegada à aldeia dos Cheyennes, ele logrou iludir os propósitos do velho Chefe, dizendo-lhe que queria falar a sós com Yaka para o convencer a desistir da paixão impossível que o seu coração alimentava.
«Alce Negro» deu o seu acordo, crente de que os argumentos que o seu amigo branco apresentaria ao filho iam bastar para pôr termo ao triste caso.
Mas, ardilosamente, mal se viu diante de Yaka, no «wigwam» deste, Mullins agiu de modo bem diverso e expôs-lhe um plano aliciante, que consistia em trazer a bonita Daisy para certo local, ficando junto dele para sempre.
Como era isso possível?
Olhando em volta com olhos vis e matreiros como se receasse as próprias sombras que envolviam a tenda, Mullins falou quase ao ouvido de Yaka:
— Conheço bem o Forte e entro nele facilmente, pois em tempos fiz lá bons negócios de peles e de uísque. Falarei a sós com a mulher branca e, se ela te ama realmente, como acredito, virá comigo sem relutância...
- Isso é certo, rosto-pálido?
— Nunca duvides da minha palavra, Yaka! Basta que ponderes na amizade que há tanto me une ao teu pai...
— Amizade que agora queres trair! — replicou o guerreiro.
— Faço-o apenas por ti pela tua amada! Não traio «Alce Negro» porque ele próprio mais tarde compreenderá que eu contribuí para a felicidade de dois entes que se amam...
— Qual é o teu plano então?
Os olhos de Mullins piscaram e a sua respiração tornou-se ofegante.
—Ê preciso que saias da aldeia e que amanhã, quando o sol estiver a pino sobre as montanhas, te encontres junto dos Rochedos Negros sobranceiros ao rio. Eu irei lá ter com a rapariga que vai ser a tua «squaw». Conheces o local?
— Conheço — disse Yaka.
— Tens facilidade em sair da aldeia?
— Não é fácil, mas hei-de consegui-lo, rosto-pálido. A hora certa estarei no local... Traz a linda «squaw» e eu serei teu amigo para sempre!
Findo o diálogo, Mullins dirigiu-se à tenda grande de «Alce Negro» para lhe assegurar, perfidamente, que fora bem sucedido e que Yaka não voltaria mais a pensar na mulher branca, pelo que agora devia ser considerado um homem livre, prémio que bem merecia, pois soubera reconhecer o seu erro...
Mullins valia-se deste argumento por recear que Yaka pudesse ter dificuldades na sua fuga, quando era imperioso que ele não faltasse ao encontro marcado.
E, com o pretexto de que tinha um negócio a realizar nas próximas horas, deixou a aldeia das montanhas ao meio da tarde desse dia, galopando para o Forte Rocks.
Mullins não temia entrar no Forte porque lá só contava com amigos... a quem por acaso nunca calhara ludibriar.
O plano que urdira era ousado, aliás como ele gostava, mas agiria prudentemente, procurando ser breve e falar a sós com Daisy, certo de que ela também desejava juntar--se ao homem que amava.
Uma vez consumado o encontro, ele voltaria rapidamente ao Forte a fim de avisar o Major Weston, levando-o pessoalmente a surpreender os dois jovens em flagrante.
Antes disso dir-lhe-ia que os vira em situação comprometedora para a reputação de Daisy.
Com os quatro juntos, ele, Mullins, se encarregaria de desafiar Yaka e liquidá-lo-ia... caso não fosse o próprio Major a fazer «justiça» pelas suas próprias mãos!
A partir daí teria conquistado as boas graças e a amizade do Major, obtendo uma posição de privilégio no Forte que o ilibava, a seu ver, dum passado sujo e condenável. Seria, pois, um outro homem! Um fora da Lei que manietava a Justiça!
Nem mesmo o ódio que Daisy lhe votaria o apoquentava ou constituiria problema, pois não acreditava que uma mulher branca e formosa como a filha do Major, se prendesse por muito tempo à memória de um índio qualquer...
O tempo se encarregaria de sarar todas as feridas e de trazer o esquecimento. Era este o golpe arquitetado pelo cérebro delirante de um traidor! E tudo se veio a conjugar para que os propósitos de Mullins fossem por diante.
Quando, ao anoitecer, ele alcançou as cercanias do Forte, foi a própria Daisy a primeira pessoa que descortinou ainda nos limites da floresta. Um encontro providencial. Daisy tinha ido dar um passeio a cavalo e estava de regresso ao Forte, mas ainda longe de ser avistada pelas sentinelas.
Ao ver o cavaleiro que surgia inopinadamente, a jovem não conteve um gesto de receio, mas Mullins apressou-se a falar-lhe em Yaka e no plano que estava traçado para que ambos se avistassem no dia seguinte, junto dos Rochedos Negros.
Daisy, empolgada, deixou-se inocentemente manobrar pelas serenas palavras de Mullins e, sem refletir nas consequências que o caso lhe poderia trazer, aceitou acompanhá-lo, ficando marcado um encontro para a manhã imediata, ali na orla da floresta.
Ardilosamente, Mullins achou preferível aguardar ali até que amanhecesse para não ser visto por alguém e muito menos pelo Major Weston.
A noite pareceu-lhe interminável e a expectativa não o deixou adormecer. Mas quando o sol despontou sobre as montanhas, numa luminosa auréola de cor, a sedutora Daisy apareceu no seu cavalo e partiram sem delongas para os Rochedos Negros.
Chegados ao local onde Yaka só mais tarde deveria aparecer, Mullins acendeu uma pequena fogueira e preparou café. Daisy estendera-se serenamente sobre um pequeno lombo do terreno e aceitou a. bebida, que saboreou com prazer, sem reparar que o homem a observava insistentemente, fascinado pela figura esbelta e insinuante da rapariga.
Os olhos de Mullins pareciam faiscar.
Foi a partir daqui que a roda do destino, que sempre fora um poderoso aliado do facínora, mostrou a sua face oposta, mudando o curso dos acontecimentos. E para a reviravolta contribuía a simples presença de uma mulher diante de Mullins! Uma mulher jovem, bela e sedutora que abrasava os corações!
Olhando-a, Mullins esquecia o plano maquiavélico que congeminara e com o qual queria garantir um futuro tranquilo, sepultando o passado e fugindo às malhas da Lei.
E esse esquecimento ia ser a sua derrocada...
Era ainda cedo para que o sol estivesse a pino e, portanto, Yaka não chegaria ali tão depressa. Por isso...
Daisy estava por completo à sua mercê, com toda a sua beleza e sedução, a despertar instintos irreprimíveis.
E Mullins, descontrolado, incapaz de um raciocínio frio e prudente, avançou para ela.
— Miss Daisy! — disse com voz vacilante.
Ela soergueu-se. Viu aqueles olhos dilatados que a fitavam selvaticamente e apavorou-se.
Num relance compreendeu o que podia acontecer e quis gritar, mas Mullins saltou sobre ela, tapando-lhe a boca e beijando-a no rosto, nos olhos, no pescoço, sôfrego e brutal como um animal selvagem.
Por fim, Daisy gritou e o seu grito ecoou pelas escarpas.
Então, um vulto ágil saltou entre as rochas próximas e deteve-se uns segundos a observar os dois corpos que rolavam sobre o terreno.
Era Yaka.
Este depressa se apercebeu do que acontecia e precipitou--se sobre Mullins.
Rápido e possante, levantou-o no ar sem esforço e, com o punho que estava livre, aplicou um soco fulminante no rosto do traidor.
Mullins, sangrando do nariz, foi cair sobre as rochas e tentou equilibrar-se enquanto fitava, aterrado, o abismo que se abria aos seus pés.
Yaka adiantou-se e «ajudou-o» a despenhar-se das alturas até desaparecer lá em baixo entre as águas trovejantes do rio.
Tudo isto fora presenciado por uma testemunha que chegara ao local a tempo de avaliar a situação.
Era um homem fardado que se mantivera atrás de uns penhascos.
Tratava-se do Major Weston, o pai de Daisy!
Ao vê-lo, a jovem soltou uma exclamação e correu para os seus braços, rompendo aos soluços.
— Oh, meu querido pai!
Firme e imóvel como uma estátua, Yaka, o Cheyenne, quedou-se sobre os rochedos, olhando pai e filha abraçados.
O Major Weston, que logo pela manhã dera pelo desaparecimento de Daisy, partira do Forte sem delongas e descobrira facilmente o rasto dos cavalos da filha e de Mullins, tendo alcançado os Rochedos Negros no instante em que Yaka salvava a jovem do ataque do patife branco.
Mullins, talvez pela primeira vez na vida, não fora astuto e prudente e sofrera as consequências da sua crueldade, do seu mau carácter.
Um momento de fraqueza arrastara-o, cegamente, a uma dupla traição contra as vítimas do seu plano infernal, e isso perdera-o.
A Providência, por fim, pedira-lhe o inevitável e já tardio ajuste de contas!
Yaka, a partir daquele dia, tinha perdido o direito de regressar à companhia do seu velho pai e à aldeia solitária que o vira nascer.
Para «Alce Negro» e para todos os Cheyennes, Yaka morrera!
O Major Weston conhecia bem a inapelável lei dos índios... mas, para ele, a diferença de raças não contava.
O que contava era o amor recíproco dos dois jovens e, por isso, Yaka passaria a ter no Forte Rocks o seu novo lar e no coração de Daisy uma certeza de paz e felicidade.
F I M
Sem comentários:
Enviar um comentário