domingo, 5 de junho de 2016

CNT005. Os mascarados de Cheyenne


Dois irmãos dedicavam-se a práticas pouco recomendáveis e tentaram aliciar um terceiro para os acompanhar num assalto ao banco. Mas o rapaz não era da mesma têmpera e acabou por ajudar a frustrar os propósitos dos dois maraus. Um rachador de lenha acabou por esclarecer por eram tão diferentes entre si.
Este é um conto de Orlando Marques publicado no fascículo 460 do Mundo de Aventuras. A ilustração que o acompanha não foi identificada.


Habituados desde há alguns anos aos trabalhos rurais da pequena fazenda do Estado de Cheyenne, dada a impossibilidade de manter pessoal remunerado, os três irmãos Norton —Hank, Joe e Tom — ficaram sós no mundo a partir do dia em que o velho Dave, Dave Norton, seu pai, faleceu vitimado por um ataque cardíaco.
Os dois primeiros, Hank e Joe, orçavam pelos trinta anos, com um ou dois anos de diferença entre ambos, mas Tom era consideravelmente mais novo, pois não teria mais do que vinte e uma primaveras.
O pai tivera sempre dificuldade em dominar os instintos rebeldes dos dois filhos mais velhos, o mesmo não se dando quanto ao jovem Tom Norton, que era um pacifista por natureza e um temperamento calmo, dotado das melhores qualidades de carácter.
Poucos dias depois do falecimento do velho fazendeiro, os trabalhos agrícolas da pequena herdade foram praticamente abandonados pelos irmãos mais velhos que passaram a ter longas ausências, enquanto Tom se orientava numa vida totalmente solitária o melhor que lhe era possível, mas sem poder acudir a todas as necessidades.
Para poderem viver os três irmãos teriam que unir-se numa só vontade e trabalhar, segundo o exemplo que o pai lhes legara, mas a verdade é que Hank e Joe não pareciam dispostos a seguir essa orientação. E Tom era impotente para abranger toda a tarefa...
Os dois primeiros continuavam a sair diariamente e a regressar quase sempre a altas horas da noite. Tom surpreendeu-os algumas vezes a conversar a meia-voz, mas nunca conseguiu escutar o que diziam.
Uma manhã, oculto entre umas rochas do limite da fazenda, viu passar dois cavaleiros a galope. Apesar da velocidade que levavam notou que ambos traziam os rostos tapados com mascarilhas pretas. Eram Hank e Joe!!! Qual seria o fim do disfarce?
Durante o dia inteiro Tom meditou profundamente no caso sem encontrar a menor explicação.
A noite, cansado da tarefa diária, deitou-se cedo, mas acordou prontamente apenas se apercebeu da chegada dos dois irmãos. Esteve prestes a levantar-se e ir ao quarto anexo, onde ambos dormiam, com o fim de saber a razão por que os tinha visto disfarçados com mascarilhas.
Contudo, por prudência, julgou preferível aguardar os acontecimentos, mantendo-se na expectativa...
Isso não obstou a que nessa mesma noite entrasse no aposento dos irmãos enquanto estes dormiam profundamente, esperando encontrar algo que o elucidasse sobre a enigmática atividade que ambos vinham exercendo.
Esteve com as máscaras nas mãos e notou, apesar da escassa visibilidade, manchas sangrentas na camisola que Hank costumava envergar...
Sangue? De quem?!
Tom regressou ao seu quarto mas não conseguiu dormir mais naquela noite. Um misto de curiosidade e de terror trazia-lhe os nervos excitados em demasia. No dia imediato esperavam-no duas novas surpresas: Hank e Joe permaneceram em casa na mais completa inatividade e quase sem lhe darem uma palavra. Mas entre si trocaram fala, como sempre em voz tão baixa que não teve ensejo de se aperceber do que diziam.
Ao fim da tarde veio a segunda surpresa.
Hank acercou-se dele e pondo-lhe as mãos nos ombros exclamou:
— Meu rapaz, é tempo de mudares de vida! Os trabalhos da fazenda são duros demais para ti e já vais tendo idade para te lançar noutras tarefas mais rendosas... Precisamos de ti esta noite... Queres vir connosco?
Tom encarou os dois homens sem saber o que dizer. Por fim teve uma pergunta:
— Mas que devo fazer, para mais de noite?
Hank sorriu, lançando um olhar- significativo para Joe.
— Nada receies porque estás com irmãos. Vamos formar um trio que vai dar brado e criar fama. Queres vir ou não?
Num relance, Tom compreendeu que a proposta lhe dava a possibilidade de se inteirar finalmente das atividades dos dois homens e, como tal, aceitou-a, esperando que a todo o momento eles o informassem dos seus planos. Foi precisamente logo após o jantar que Hank estendeu sobre a mesa um papel com alguns esquemas traçados a lápis.
— Ora, meu rapaz, aqui tens. Isto que aqui vês é o esquema completo do West-Bank, de Cheyenne, uma casa que tem ouro às mãos-cheias nos seus cofres!!! Para obter este papel tivemos que sacrificar uma ou duas vidas... mas quando há ouro pela frente não podem haver obstáculos para nós! Eu e Joe já temos tudo preparado para entrarmos esta noite no Banco, valendo-nos deste esquema para sabermos o sítio exato onde estão os cofres. Quanto a ti, vais ficar à porta, enquanto nós «trabalhamos», mas para isso é preciso que tenhas os olhos bem abertos e não hesites em disparar esta arma -se notares a aproximação de alguém...
E, juntando o gesto à palavra, Hank entregou a Tom um revólver, ao mesmo tempo que lhe aplicava uma palmada nas costas.
--- Que tal a oferta, seu «herói»?
Tom procurou sorrir, mas não conseguiu mais do que esboçar uma careta.
Todo ele tremia de indignação e revolta ao saber, finalmente, que os dois homens que tinha na sua frente, os seus irmãos, eram bandidos da pior espécie!!!
A sua atividade já durava há algum tempo, decerto registando uma longa série de terríveis façanhas, a avaliar pela maneira calma e experimentada com que Hank traçava os planos do assalto ao Banco, revelando-se um autêntico profissional habituado a golpes daquele quilate!
Estava pálido quando segurou a arma entre os dedos ao mesmo tempo que as ideias se confundiam no seu cérebro sob o choque provocado pela terrível verdade! Mas apelou para todo o seu sangue-frio de modo a não comprometer-se perante os irmãos. Era preciso ter calma e aguardar uma oportunidade para também se fazer valer...
— É só isso então que tenho a fazer? — perguntou, procurando dar à voz um tom natural.
— É... por agora.— disse Hank — Mas o tempo nos trará outras tarefas em que poderás vir a destacar-te...
Tanto ele como Joe estavam visivelmente satisfeitos pela colaboração que o irmão parecia disposto a prestar-lhes e foi o último que lhe fez entrega de urna mascarilha preta.
— Enquanto operamos na região de Cheyenne usamos estes acessórios para que não sejamos reconhecidos. — explicou — Em toda a cidade fala-se dos «Demónios mascarados», como nos chamam, mas ninguém nos reconheceu ainda. Se isso se desse estávamos perdidos!
Naquela mesma noite, os três homens, _ com os rostos ocultos nas mascarilhas, deixaram a herdade e partiram a cavalo, fazendo alto num ponto da floresta para dar uma curta folga aos animais, antes de se dirigirem para a cidade.
Tom ainda não sabia como deveria proceder para impedir o assalto ao Banco, pois debatia-se entre o desejo de não provocar aos irmãos uma situação que os perdesse para sempre e a voz da consciência que lhe impunha o cumprimento do dever de homem digno e honrado. Que fazer?
A ideia apareceu no momento em que Hank e Joe se afastaram a pé para ir a proximidades beber água num pequeno riacho. Sabia que o papel com o esquema do West-Bank se encontrava na sela dum dos cavalos.
Era preciso apoderar-se dele e fugir o mais depressa possível! Privados do documento, os dois homens não poderiam assaltar os cofres.
Sem hesitar um momento e certificando-se de que Hank e Joe ainda não estavam de regresso, aproximou-se dos animais e rebuscou nos alforjes. Por fim, conseguiu encontrar o papel que, de relance, viu tratar--se do esquema, mas no momento em que se preparava para guardá-lo, uma voz soou entre as árvores, a distância:
— Larga o documento, Tom... ou disparo!...
Era a voz de Hank. O irmão mais velho estava a uns trinta metros e empunhava uma carabina, em tom ameaçador.
O rapaz via-se numa situação difícil, mas havia que tomar uma decisão... e resolveu-se a optar pela que lhe pareceu mais sensata. Embora sob a ameaça da arma que Hank lhe apontava, fez meia-volta e pulou para a sela dum dos cavalos.
No mesmo instante Hank desfechou a carabina por duas vezes seguidas, mas as balas não acertaram milagrosamente no alvo, perdendo-se entre a folhagem.
Picando esporas furiosamente, Tom partiu à desfilada, afastando-se o mais depressa possível do local, enquanto o irmão soltava imprecações de raiva, às quais vieram associar-se as perguntas impacientes de Joe que, alarmado, se juntava agora a Hank sem saber ainda o que se tinha passado.
— Tom fugiu e levou o esquema do Banco! Temos que agarrar o maldito rapaz e meter-lhe uma bala no corpo em paga da sua esperteza. Depressa!
Correram ambos para os cavalos e lançaram-se pela trilha a todo o galope, na esperança de alcançarem sem demora o fugitivo.
Entretanto, Tom tinha conquistado já um apreciável avanço e voltando-se repetidas vezes na sela não dera ainda pela aproximação dos perseguidores. Sabia, contudo, que estes não tardariam a aparecer e até a alcançá-lo pois eram melhores cavaleiros...
Durante algum tempo a corrida manteve--se no mesmo ritmo veloz através da extensa planície. Por felicidade, a noite não estava muito escura e Tom podia orientar-se sobre a montada.
Finalmente acabou por descortinar uma luz brilhando à distância. Naquele local, que ele conhecia relativamente bem, só podia tratar-se da barraca do velho Burt, o rachador de lenha, e um antigo amigo de seu pai. Talvez estivesse ali a salvação!
Sem hesitar, conduziu para lá a montada e saltou à porta da casa, dando uma palmada na anca do animal para que este continuasse a correr e despistasse os dois irmãos.
O velho Burt estava já deitado num tosco leito de madeira e soltou um brado de espanto ao ver o rapaz entrar desabridamente na casa.
—Tom Norton!? Que quer isto dizer?
Em poucas palavras, Tom pôs o velho rachador ao corrente da situação, explicando que talvez ali os irmãos não pudessem suspeitar da sua presença.
O velho deu-lhe uma palmada amigável no ombro, mas não teve tempo para dizer palavra porque, entretanto, ouvira-se um ruído de galope que se aproximava da barraca.
— São eles! — exclamou Tom.
— Depressa! Mete-te debaixo da cama.
O rapaz obedeceu sem demora. Hank e Joe tinham parado nas imediações da barraca, mas quando o velho e Tom se preparavam para vê-los entrar, notaram com surpresa que os dois cavaleiros partiam de novo à desfilada.
— Eh! Meu rapaz, tiveste sorte! — disse alegremente o velho. — Salta daí para fora.
E Tom preparava-se para fazê-lo, quando voltaram a escutar um ruído de galope acercando-se da barraca.
— Eles retrocederam!— bradou o rachador.
No mesmo instante a porta da casa abriu--se de par em par e os dois irmãos entraram, avançando para o leito. Hank trazia a carabina e Joe empunhava um «Colt» e, enquanto o primeiro ficava de pé, o último sentou-se num pequeno banco. Traziam os rostos vendados pelas mascarilhas e Hank falou para o velho num tom rude e autoritário:
— Sabemos que tem alguém escondido. Onde está o rapaz?
O rachador limitou-se e encolher os ombros.
— Não sei de quem está a falar, senhor... Nesta casa vivo só eu com Deus e os poucos bens que me cercam...
— Ou nos dizes a verdade ou abro-te a cabeça com a carabina! — bradou Hank.
— Senhor, repito que não sei o que quer dizer...
Neste instante Hank deu um passo em frente, ficando junto à cama, ao mesmo tempo que erguia a carabina pelo cano. Escondido sob o leito, Tom compreendeu que a cólera do irmão mais velho seria capaz de levá-lo a sacrificar o rachador de lenha, e então decidiu-se a resolver a contenda de qualquer maneira. Estendendo ambas as mãos puxou por uma das pernas de Hank -,com tanta fosca que este se desequilibrou largando a carabina na cama, e caindo desamparadamente de costas sobre Joe.
Com o peso de ambos, o pequeno banco onde Joe se sentara desconjuntou-se e os dois homens estatelaram-se no solo, ao mesmo tempo que o velho Burt lhes apontava a carabina e Tom saía do seu esconderijo para se apoderar da arma de Joe.
Ainda os dois irmãos não tinham compreendido bem o que se havia passado e como fora possível tudo aquilo, quando soou uma voz forte à porta da barraca:
— Que ninguém se mexa ou faço fogo!
Era nem mais nem menos do que o Xerife de Cheyenne-City que chegava na melhor altura, acompanhado por dois auxiliares.
Em curtas palavras o inesperado visitante declarou que se soubera na cidade que os «Demónios mascarados» projetavam um assalto ao Banco e, como tal, ele deliberara dar-lhes caça quando e onde eles menos o esperassem. E acrescentou:
— Também se diz que os dois meliantes, cujos crimes e roubos trazem em sobressalto todo o Estado de Cheyenne, são filhos desse homem honrado que era Deve Norton...
E arrancando as mascarilhas dos rostos dos dois homens, voltou-se para os presentes:
— Reconhecem-nos?
Houve um murmúrio afirmativo e então o representante da Lei ordenou que os dois irmãos fossem algemados e conduzidos para os cavalos. Pálidos e taciturnos, Hank e Joe deixaram-se algemar, tendo um último olhar para o jovem Tom antes de deixarem a barraca. Este viu o pequeno grupo afastar-se e não pôde conter duas lágrimas rebeldes que lhe soltaram das órbitas, rolando pela face.
O velho Burt, que se tinha levantado, abraçou-o com amizade.
— Lágrimas porquê, meu rapaz?
Tom Norton teve um meneio de cabeça.
— Eram meus irmãos...
O rachador de lenha sorriu com brandura.
— Não, Tom, vê-se que conheces mal a história... mas eu tenho muitos anos e fui um grande amigo de Dave Norton. Como tal, sei tudo — e sei que tu não és irmão de Hank e Joe. És apenas alguém que o coração bondoso de Dave Norton acolheu generosamente sob o seu tecto, quando, na tua infância, teus pais faleceram, deixando-te só e sem recursos no mundo. Dave fez-te seu filho adotivo e tornou-te um homem de bem. Que lástima os seus verdadeiros filhos não lhe terem seguido o exemplo!
 E dando uma palmada amiga nas costas do rapaz, concluiu:
— Cumpriste bem o teu dever, Tom, e deves orgulhar-te de ser assim. Tens a herdade de teu pai adotivo para trabalhar com dignidade e és bastante jovem. A vida para ti, realmente, começa agora a despontar...

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