quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

CNT011. A lei do deserto

Um homem abandonou os seus companheiros e acabou por ser salvo por aquele que, de acordo com a lei do deserto, tinha sido encarregue de o abater.
Trata-se de um conto publicado no Cavaleiro Andante, fascículo 267. Não está assinado, mas as ilustrações são de José Ruy.



Quando, esgotados pela tempestade de areia, que soprara todo o dia adormeceram, eram quatro: Jeff, Sam, Will e Pietro.
No dia seguinte, o pequeno grupo de desesperados encontrava-se reduzido a três: Pietro aproveitara o escuro da noite para fugir sozinho, abandonando os companheiros, na esperança de assim se salvar mais facilmente.
É certo que, ajudado pela sorte, um homem só pode arrancar--se às garras do deserto, enquanto que, em grupo, arrisca-se a lá deixar os ossos. Mas uma equipa é uma equipa, como resmungou Will quando deu por falta de Pietro.
O Sol nascera, depois de uma noite agitada e gelada. A areia, que seria escaldante ao meio dia, cobria--se de uma leve película de orvalho gelado. A perder de vista, correndo como vagas dum oceano, desdobrava-se impressionante perspetiva das dunas. Nenhuma vegetação naquele recanto do deserto mexicano, senão os magros arbustos ou estranhos catos. Nenhuma ave turbilhonava no ar imóvel.
À noite, como em todas as noites, desde que havia dez dias tentavam escapar à morte pela sede, veriam aparecer por cima das suas cabeças os repugnantes abutres de crânio pelado, mas esse único sinal de vida era de tão mau agoiro, que preferiam olhar obstinadamente a areia a seus pés, a contemplar o voo das aves de rapina escrevendo no céu a sua sentença de morte. Houve um pequeno conselho de guerra entre os três homens. Nesses tempos de aventuras, uma traição
era rapidamente paga e o traidor pagava bem caro.
— Pietro pregou-nos uma bela partida! — disse Sam, sombriamente
— Naturalmente convenceu-se de que se arranjava melhor sozinho, enquanto que, em grupo, temos poucas probabilidades. — concluiu Jeff. — Um solitário não tem que esperar pelos retardatários.
— Com razão! Mas nós tínhamos jurado não nos separarmos — disse Will. — Lembrem-se de que o jurámos quando vimos que nos tínhamos perdido neste deserto de catos e areia.
— Mas Pietro não nos roubou nem água nem mantimentos — notou Jeff — Contentou-se com levar a sua parte.
— Jurámos! — retorquiu Will —E palavra é palavra! Pietro traiu--nos. Não é justo que escape.
— É novo! — intercedeu Jeff.
— Mais uma razão para lhe ensinar o valor de um juramento! Pietro deve ser castigado. É essa a nossa lei!
Em silêncio, todos os três contemplaram as pegadas na areia. Pietro partira para Este, a pé, evidentemente, pois que todos viajavam a pé, desde que os cavalos tinham morrido de sede e de fadiga naquele horrível deserto. Os aventureiros eram homens duros. Como a sua existência, a sua lei era implacável e cada um deles sabia Pietro condenado: o deserto nem sequer teria tempo de punir o traidor.
— Tiremos à sorte! — fez Will, partindo três fósforos em pedaços diferentes.
A sorte designou Jeff. Sam passou-lhe a carabina, a única que o pequeno grupo conservava ainda.
— Encontramo-nos aqui dentro de doze horas — disse Sam, olhando o Sol. Jeff abanou silenciosamente a cabeça, pôs o chapéu e, pegando na arma, lançou-se na pista do fugitivo. Will e Sam sentaram-se na areia, depois de se terem abrigado debaixo de um «poncho» a pouca água e as escassas provisões que possuíam.
— Que missão ingrata! — pensava Jeff, enquanto seguia a pista o mais rapidamente possível. — Pobre Pietro! Que loucura súbita se apoderou dele? O deserto é duro, mas os homens ainda o são mais.
Não! Não lhe agradava nada a missão para que fora designado. De facto, a lei era a lei, mas acontece por vezes que se respeite a lei sem gostar de a aplicar. Pietro infringira o código da honra dos aventureiros e pagaria com a vida, ainda que os outros três tivessem também que lá deixar a pele. Mas fazer justiça por suas próprias mãos...
O Sol já ia alto no céu esbraseado, quando Jeff começou a ver que a pista do fugitivo se tornava hesitante, como se Pietro estivesse esgotado. Após mais uma hora de marcha parou, de repente, e deitou-se de bruços sobre uma duna: lá em baixo, numa paisagem rochosa, acabava de descobrir Pietro. O infeliz devia estar ferido numa perna, porque coxeava dolorosamente.
Dando meia volta para surpreender a sua presa sem ser visto, Jeff deixou-se escorregar pelos rochedos. Quando ficou a alguns Metros do seu alvo, ergueu-se sobre um cotovelo e olhou.
Pietro tinha-se sentado numa anfractuosidade da rocha, procurando um pouco de sombra naquela paisagem de fornalha. Ofegava penosamente, e esfregava a perna, fazendo caretas. Jeff enxugou os olhos com a manga da jaqueta, soltou um suspiro, e apontou a carabina, visando o alvo.
Mas, de repente, estremeceu: a alguns passos do infeliz viajante solitário, rastejava um réptil.
— Uma serpente das rochas... — pensou Jeff. — A mais venenosa de todas!
Sem mesmo hesitar, desviou ligeiramente a arma e premiu o gatilho. A serpente, que ia atingir Pietro, torceu-se no solo e o fugitivo acabou de a matar à pedrada. Por fim, face a face, os dois homens olharam-se, pensando na «lei».
Jeff continuava com a arma na mão. Pietro, cambaleando, por causa do ferimento na perna, tirou o seu revólver da algibeira e esperou.
Foi Jeff que deixou escorregar a carabina na areia, e que se aproximou, sem recear o revólver do outro.
— Espera... vou ligar-te o pé — disse Jeff.
O revólver tombou das mãos de Pietro.
— Não percamos um minuto — continuou Jeff. — Eu te ajudarei a caminhar.
— Mas... e os outros? Que dirão eles? — murmurou Pietro.
Um longo silêncio, mais terrível que o do deserto, desceu sobre os dois aventureiros. O Sol tornava a areia escaldante e cegava-os. Os seus lábios secos estalavam e, dentro das botas de coiro, os pés doíam-lhes horrivelmente. Mas Jeff e Pietro não pensavam nos seus sofrimentos. Cada um deles vivia intensamente o drama que se estava desenrolando.
— Eu explico-lhes... — respondeu simplesmente Jeff.
Passou o braço de Pietro sobre os seus ombros, e ambos, seguindo a dupla pista, partiram ao encontro do grupo.
O tempo dos aventureiros terminara. Começava a idade dos homens.
FIM

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